Mitos sobre a Depressão

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Existem vários preconceitos errados sobre a depressão, o que para além de aumentar o estigma, conduz a comentários errados e que agravam o estado da pessoa, em vez de facilitarem a sua recuperação.

 

Quando nos referimos a depressão em linguagem corrente, na verdade estamos a referirmo-nos à Perturbação Depressiva Major. Assim, a “depressão” não é um estado, é uma doença.

 

Alguns mitos sobre a depressão são:

- Depressão não é uma doença

- Quem tem depressão é fraco

- Só os adultos têm depressão

- A depressão só afeta mulheres

- Depressão é preguiça

- Depressão é estar triste

- Falar sobre o que se sente, da depressão ou de pensamentos suicidas, aumenta a probabilidade de se cometer o suicídio

- Quem trabalha não tem depressão

- A medicação só serve para quem tem pensamentos suicidas

- São os problemas da vida que causam a depressão

- É fácil de perceber quando alguém tem uma depressão

- Só existe um tipo de depressão

- Ansiedade e depressão são a mesma doença

- A depressão pode curar-se de um dia para o outro

- A medicação faz efeito rápido

- Posso parar a medicação logo que me sinta bem

- Todos os que tomam medicação, conseguimos perceber quem são. Estão drogados ou babados.

 

De forma a facilitar o leitor, todas estas informações ou estão erradas ou incompletas, mas traduzem grande parte das ideias erradas que proliferam pela sociedade.

 

De facto, a depressão é uma doença, tem o nome identificado acima e não é uma questão de força pessoal ou de moral. Não é uma escolha ter uma depressão. Qualquer pessoa pode ter uma doença deste género e estima-se que ao longo da vida 30% da população poderá ter um episódio depressivo.

 

A depressão acontece em crianças, adolescentes e em idosos. Tanto nos mais novos, como nos mais velhos, é onde devemos ter maior cuidado. É mais difícil de identificar e tem maior risco.

 

A depressão afeta tanto os homens como as mulheres. Apesar de afetar ligeiramente mais mulheres, é também muito frequente nos homens. Pelos mitos e pela sociedade forçar os homens a terem tantas emoções como as pedras têm, demoram mais tempo a pedir ajuda e utilizam mais frequentemente o álcool e as drogas para tentarem fugir da depressão, agravando o seu estado e correndo o risco de comportamentos agressivos e suicidas.

 

A depressão não é preguiça e não começa porque alguém ficou deitado no sofá. A depressão é uma doença, com várias e complexas causas e não é uma escolha da pessoa. Mesmo as pessoas mais ativas, que realizam mais desporto e tenham mais vida profissional, social e espiritual, também podem ter episódios depressivos ou outras doenças mentais.

 

A depressão é um conjunto de sintomas, dos quais a tristeza faz parte. A lista dos sintomas habituais é grande, mas para se definir um episódio depressivo não é preciso ter todos estes sintomas. A quantidade ou intensidade dos sintomas, determina a gravidade da doença. A tristeza, perda de interesse e a falta de sentir emoções e prazer nas atividades da vida que costumam provocar estas sensações, são os principais sintomas. Podem estar todos presentes, ou apenas um deles. Considera-se um episódio depressivo quando estes sintomas têm mais de duas semanas de duração. Para além destes sintomas, estão presentes muitos outros, como insónia (dificuldade em dormir) ou hipersónia (aumento da necessidade de dormir), diminuição ou aumento do apetite, diminuição ou aumento de peso, diminuição da líbido (vontade de ter relações sexuais), diminuição da energia e fadiga fácil, lentificação dos pensamentos e dos movimentos ou agitação, diminuição da autoestima, sensação de culpa excessiva, diminuição da capacidade de concentração e pensar, aumento da dificuldade de tomar decisões, pensamentos de desinteresse pela vida, da inevitabilidade da morte e suicidas.

 

O primeiro passo de cada pessoa é reconhecer que não está bem. A conversa com pessoas de confiança é muitas vezes importante para começarmos a procurar ajuda. Com ou sem pessoas de confiança, se não estamos bem, temos de procurar ajuda com profissionais de saúde. Quando se procura ajuda, temos de ser o mais honesto possível no que sentimos e permitir a quem está do outro lado saber o mais importante, para poder dar a ajuda adequada. Falar dos pensamentos suicidas é fundamental para clarificar o que se passa com a pessoa e poder receber ajuda. Todos os estudos mostram o quão importante isto é. A maior parte das pessoas tem vergonha quando tem estes pensamentos e faz parte da avaliação do profissional de saúde questionar a existência destes pensamentos. E não, falar sobre eles não aumenta a probabilidade de a pessoa cometer o ato. Desde que a pessoa seja tratada com respeito, ouvida e ajudada. Pelo contrário, um ambiente crítico pode agravar a situação. O ambiente tem mais influência do que a pergunta em si.

 

Muitas pessoas que têm uma depressão, conseguem manter o seu trabalho. Fazem-no com um custo elevado para a sua saúde, mas mantêm-se a trabalhar. Quando procuram ajuda, conseguem progressivamente melhorar e conseguem muitas das vezes evitar a “baixa” – incapacidade temporária para o trabalho. Ao contrário do que algumas pessoas sustentam, ficar de baixa mais do que 1-3 meses é pior para a pessoa. Raros são os casos em que por uma depressão existe benefício para a pessoa manter-se de baixa para além deste tempo.

 

A medicação é eficaz para a depressão moderada a grave. Nesse sentido, existe uma grande maioria de casos em que a medicação é eficaz. Existem ajudas para os estados ligeiros em que a medicação não é tão eficaz. Mas se não for tratada de alguma forma, a tendência é o agravamento dos sintomas e passar de ligeira, a moderada/grave.

 

Infelizmente muitas pessoas têm episódios depressivos associados a problemas familiares e laborais. Cerca de 30% da população vai ter pelo menos um episódio depressivo ao longo da vida e infelizmente muitos são relacionados com os acontecimentos da vida diária. Apesar de ser um tema mais falado, a cultura atual de trabalho cria muitos problemas de saúde mental.

 

Existe, no entanto, algumas pessoas que têm o que se chama de depressão biológica ou endógena. Um tipo particular de depressão que não está relacionado com os acontecimentos da vida da pessoa, mas o seu cérebro, muitas vezes por razões desconhecidas, desenvolve uma depressão. De igual forma, algumas pessoas que têm depressão, na verdade têm o que se chama de depressão bipolar. Um episódio depressivo dentro de uma doença bipolar. Alguns estudos mostram que as pessoas com este tipo de depressão demoram cerca de 8 anos até terem o diagnóstico correto. Tal diagnóstico é fundamental porque o tratamento envolve medicação diferente, os chamados estabilizadores de humor e não apenas antidepressivos.


Nem sempre é fácil percebermos que uma pessoa tem uma depressão. Muitas pessoas sabem que os outros as vão ver de forma inferior e preferem não contar a ninguém o que sentem e fazem um enorme esforço para manter essa aparência. Estas pessoas demoram mais tempo a pedir ajuda, quando pedem estão num estado mais grave e isso demora também mais tempo a recuperar. Felizmente, há cada vez mais pessoas compreensivas e conhecedoras das doenças mentais e acabam por acolher de forma positiva quando um familiar ou amigo assume que precisa de ajuda.

 

A depressão não é sinal de fraqueza, pode atingir qualquer um, em qualquer estrato social. Não é algo que se resolva apenas com atividade, sobretudo nos estados moderados a graves. Manter uma atitude positiva é bom, mas não é remédio e pode no contexto errado, incentivar a pessoa a esconder as suas verdadeiras emoções.

 

Existem muitos tipos diferentes de depressão. A que mais pessoas conhecem é a Perturbação Depressiva Major. Tipicamente por episódios, sintomas intensos, incapacitantes, descritos no primeiro texto sobre os mitos. No segundo texto descrevi a Depressão Bipolar. Existem dois tipos de doença bipolar, tipo 1 e 2, sendo que no tipo 1 podem ou não existir, no tipo 2 são muito frequentes. Em ambos os tipos são muito incapacitantes e tendem a ser muito frequentes ao longo da vida. É muito importante reconhecer esta diferença, pois são precisos fármacos diferentes para tratar. O tratamento errado, nesta doença, pode agravar mais do que ajudar. Não esconda os diagnósticos anteriores quando procurar ajuda.

 

A Distimia ou Perturbação Depressiva Persistente é um tipo de depressão menos intenso que a primeira, mas com tendência a manter-se durante mais tempo. É o que vulgarmente as pessoas conhecem como depressão crónica. É menos incapacitante a curto-prazo, mas a longo-prazo é responsável por muita incapacidade ao longo da vida. Por vezes, junta-se esta doença com a P. Depressiva Major e chama-se de depressão dupla. Mais recentemente foi dado o reconhecimento à Perturbação Disfórica Pré-menstrual, muito incapacitante para a mulher, pela sua natureza cíclica e dificuldade de ajustar as suas variações à imposição social de mantermo-nos sempre iguais e previsíveis. Pode ainda ocorrer a depressão como secundária a outras doenças, como o enfarte, AVC, neoplasias, entre outras. Como secundária a medicação e ainda secundária a drogas, das quais, o consumo crónico de canabinoides é o mais importante.

 

Muito frequente é a Perturbação de Ajustamento, quando um problema intenso cria um estado depressivo agudo. Se o stressor desaparecer, a pessoa tende a regressar ao seu estado habitual no espaço de um mês. Se o stressor se mantiver ou o sofrimento causado por ele for intenso, pode transformar-se numa doença crónica e necessitar de tratamento.

 

A depressão pode ser ocasionalmente sintoma noutras doenças psiquiátricas ou em conjunto com outras doenças. É ainda frequente doentes ou famílias dizerem que sofrem de depressão, mas na verdade trata-se de outros diagnósticos como a Perturbação Obsessivo-Compulsiva, Perturbação de Stress Pós-traumático, Perturbação Esquizofrénica ou Esquizoafectiva, Perturbação do Espectro do Autismo, Perturbação da Personalidade, entre outras.

A ansiedade e as perturbações de ansiedade são diferentes das Perturbações Depressivas. Caracterizam-se sobretudo pela ansiedade intensa de diferentes formas. No entanto, manifestam-se muitas vezes em conjunto com as perturbações depressivas. A ansiedade como sintoma, é muito frequente em múltiplas doenças psiquiátricas, incluindo as mais graves.

 

A depressão não se cura de um dia para o outro. Ainda assim, existe um fármaco “novo” que reduz os sintomas de forma significativa em poucas horas, e é uma referência internacional nos casos mais graves. Apesar deste reconhecimento e de já estar em utilização em vários países europeus, no nosso país continua a aguardar aprovação do INFARMED. Mas, mesmo com este novo fármaco, a depressão não se cura de um dia para o outro. Nem quando recebemos prendas ou ficamos alegres porque se resolveu algum problema. Se a pessoa fica bem, não era uma depressão (Perturbação Depressiva Major). Era um outro estado depressivo por identificar. A depressão, é uma doença grave, que altera as nossas memórias e a forma como vemos a nossa vida, os outros e o futuro. Altera o nosso cérebro, mesmo modificando a sua espessura em diferentes regiões. Assim, também demora a conseguirmos recuperar a forma saudável do nosso cérebro e a forma como vemos a realidade. É importante enfrentarmos a doença e procurarmos a cura, como em todas as doenças. E saber que demora o seu tempo.

 

O maior problema no tratamento da depressão são as pessoas que param a medicação antes do tempo. Sentem-se bem passado 1-2 meses de tomarem medicação e param. Esqueceram-se do sofrimento que tiveram e por isso, esquecem-se de continuar a medicação. Infelizmente esta prática leva a aparecerem novos episódios na grande maioria das pessoas em menos de 6 meses e em alguns casos mais raros, à perda de eficácia da medicação. Fazer o tratamento correto é o mínimo que devemos fazer pela nossa saúde. É fácil esquecermo-nos da bênção que foi receber a ajuda da medicação quando estamos bem. Mas pelo bem do futuro, não pare, nem aconselhe ninguém a parar a medicação antes do tempo que o profissional de saúde determinar.

 

Ao contrário do mito final, a maior parte das pessoas que tomam medicação não é possível sabermos que o fazem. Só quando por alguns motivos precisam de medicação mais sedativa ou fazem mau uso da mesma, é que se nota no olhar ou nos movimentos faciais que tomam medicação. Esse não é o objetivo do tratamento e se acontecer, espera-se que seja apenas temporário. Se a pessoa ou a família sente que alguma coisa não está bem, devem falar com o seu médico e em conjunto procurarem alternativas. Só em casos raros é necessário manter medicação que provoca efeitos secundários que diminuem a qualidade de vida – sedação, aumento de peso, impotência sexual, entre outros. Na maior parte dos casos é possível ultrapassar a doença, os efeitos secundários e permitir à pessoa recuperar e melhorar a sua qualidade de vida.


Na presença dos sintomas graves descritos, a pessoa deve procurar ajuda profissional urgente. Não adie e não deixe o seu familiar adiar. O tratamento adequado salva inúmeras vidas.

Publicado a primeira vez em Jornal da Madeira