Ditadura e Democracia

Partilhe este artigo em:

Este podia ser um texto de crítica política, mas não é. Também será o último texto durante um período, mas não queria deixar de agradecer toda a confiança do JM e dos seus colaboradores por terem-me permitido escrever regularmente e colaborar de tantas formas. O meu profundo agradecimento.

 

Ditadura e democracia. Dois conceitos aparentemente opostos, mas que necessariamente coabitarão no mundo durante muito tempo. Podemos falar de regimes políticos, de países, mas hoje é sobre a crise nas Forças Armadas e na sociedade em geral. Há poucos dias foi notícia a recusa de profissionais da Marinha de assegurarem uma missão. Ficam tantas perguntas por responder e muitas não chegarão à luz do dia, devido ao necessário secretismo das Forças Armadas. Aquilo que ecoa para mim é: (1) tinham razão? (2) podiam fazê-lo?

 

Ter razão é algo muito importante para a maioria de nós. Sabermos se estamos a agir corretamente, dentro dos nossos princípios e leis. A noção de um mundo justo, em que se fizermos x obtemos y, é um mundo ilusório, que só existe na matemática. Até a física descobre com a partículas subatómicas, que as leis de Newton não abrangem toda a matéria. Não só o mundo não é justo, como por vezes achamos que temos razão, mas podemos não ter. A sensação de injustiça, de derrota, coloca sofrimento psicológico e alimenta muitas doenças mentais.

 

O problema é que socialmente evoluímos, mas as forças militares e para-militares não o podem fazer. Diz-se por vezes que “a democracia é um luxo” e eu concordo. Para haver democracia, tem de haver segurança. Mas pode haver democracia nas forças de segurança? Talvez não. Ao longo das últimas décadas temos visto a disciplina desaparecer da sociedade. Isso tem trazido imensos problemas aos professores (na minha opinião o grande responsável pela sua exaustão). A ausência de disciplina faz com que na verdade não possa existir democracia nas forças de segurança. Se a disciplina existir dentro de nós, sabemos as nossas responsabilidades e executamos. Mas temos a liberdade de pensar, criticar e mesmo decidir se fazemos ou não determinada ordem. Mas sem disciplina, não podemos sequer almejar a liberdade. Pois se a tivermos, deixamos tão rapidamente de cumprir os nossos deveres, na rapidez com que tivermos prazer.

 

Gosto sempre de lembrar a experiência com ratinhos de há várias décadas. Se os ratinhos tivessem acesso a cocaína, consumiam até morrerem. Não comiam, não tinham relações sociais ou sexuais, apenas consumiam. Assim também os humanos só se focam no prazer e desaparece tudo, se não tiverem disciplina. Porquê arrumar a casa? Trabalhar? Pagar impostos? Se podemos ter prazer sem fazer nada?

 

Assim, para alguns terem a possibilidade de estragarem a sua vida e outros de construírem mundos infindáveis, alguns não podem ter o luxo da democracia. E sim, temos de aceitar a dura realidade que as forças militares são uma parte separada da sociedade civil, com regras próprias e, por vezes, difíceis de compreender. Desta forma, nem toda a gente tem o que é necessário para trabalhar nestas condições e de aceitar que não tem liberdade. Na verdade, pouca liberdade temos na vida, mas a que temos, devemos saborear e aproveitar da melhor forma. Felizmente vivemos num país, que apesar dos seus defeitos não controla a nossa saída do país, que permite muita liberdade e que apesar da sua extensa burocracia, permite que nos autodeterminemos. Vamos aproveitar a nossa liberdade e construir uma melhor democracia para todos, para que um dia no futuro, as forças de segurança possam usufruir dessa mesma liberdade!

Publicado a primeira vez em Jornal da Madeira