As doenças do trabalho

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O mundo de trabalho está doente e em Portugal, particularmente tóxico. Se Portugal está em pior posição em termos de perturbações de ansiedade e depressivas, não é expectável que em relação ao trabalho, também estejamos mal colocados?

 

Dados da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) indicam que cerca de 25% dos trabalhadores europeus relatam sentir stress no trabalho “o tempo todo” ou “a maior parte do tempo”. No Reino Unido, 17% dos trabalhadores experimentam sintomas de depressão ou ansiedade devido a condições de trabalho stressantes e ambientes com baixa autonomia e apoio. Na União Europeia, estima-se que entre 10% a 15% dos trabalhadores sofrem de ansiedade ou depressão devido ao trabalho.

 

Em países como a Suécia e os Países Baixos, estudos mostram que entre 20% a 30% dos trabalhadores em profissões de alta pressão, como profissionais de saúde e docentes, apresentam sintomas de burnout. 

 

No nosso caso, um estudo do Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis revelou que cerca de 80% dos trabalhadores estão em risco de Burnout e um total de 63% com vários sintomas. Se o Estudo Europeu de Condições de Trabalho revelou 23% dos trabalhadores europeus, claramente Portugal está numa posição bastante delicada neste assunto.

 

Nos últimos anos, temos como sociedade abordado alguns problemas relacionados com a saúde mental e os problemas profissionais têm sido claramente identificados. O problema é que falamos, mas a cultura mantém-se. A cultura portuguesa de trabalho é extremamente tóxica. O trabalho representa uma grande percentagem de tempo da nossa vida, como é que podemos continuar a aceitar que a nossa saúde mental se degrade à custa desta área da nossa vida?

 

Porque é que a cultura portuguesa é tóxica? Por mantermos a mentalidade hierárquica como um momento de êxtase narcísico, com momentos de tentativa de subjugação dos inferiores. Ao mesmo tempo, temos movimentos de posições inferiores a tentarem abalroar a inevitabilidade da mudança. Mesmo para grande parte das relações profissionais do mesmo nível hierárquico, há sempre uma boa parte que acha que tem direitos e os outros apenas deveres. E poderia continuar num enumerar sem fim de situações problemáticas interpessoais.

 

Para além das questões interpessoais, temos também a cultura instalada do número de horas a trabalhar, bem como da invasão da vida privada. Em grande grupo de trabalhos, parece ser suposto as pessoas trabalharem horas a mais sem serem compensadas por isso.  Mesmo que sejam compensadas, não existe forma legítima de compensar o roubo da vida pessoal de cada um de nós, por termos de trabalhar mais horas. As horas que a nossa família/amigos perdem pela nossa ausência, o cansaço que depois transportamos para cada um dos eventos da nossa vida, ... não tem hipótese de ser reparado.

 

Em Portugal acredita-se que mais horas de trabalho é igual a mais produtividade. Mesmo que sejam em horas extraordinárias. É uma mentira pegada. Cada um de nós é mais produtivo se trabalhar menos horas, com múltiplos estudos a provar isso. O problema empresarial é simples, é mais caro para a empresa ter dois trabalhadores a 30 horas, do que ter um a 40, com 20 horas extra, que eventualmente metade são pagas em tempo ou dinheiro e as outras são entendidas como “faz parte” de “vestir a camisola”. E mesmo que a empresa quisesse contratar duas pessoas, como já paga o mínimo possível, ultrapassa logo as contas. 

 

Os estudos concluem que a elevada exigência, baixa autonomia, ambiente hostil e insegurança no trabalho, são as principais razões identificadas.


Publicado a primeira vez em Jornal da Madeira