De que serve ter cérebro para pensar, para sonhar, se continuamos em guerras sem terminar? Muitas vezes ouço dizer, que estranheza, mais uma guerra no mundo... mas sem estranheza, todos os dias ouço pessoas contar, quantos conflitos têm, no trabalho, na família ou no lar. Como pode haver paz, se há tantos conflitos na nossa vida íntima? E quantas pessoas passam cegas pelo sofrimento dos outros na rua? Se fosse um amigo ajudavam? E um estranho?
Lembro-me ainda dos primeiros dias em que estava a realizar a minha formação em psiquiatria. Na altura, tivemos a possibilidade de ter um ambiente de aprendizagem de partilha com psicólogos experientes em psicanálise e grupanálise. Num dos dias, fiz um comentário inocente, algo como: “como é que os conceitos de regulação emocional e interpessoal, tão fundamentais para as nossas relações, não são ensinados nas escolas, não são ensinados desde cedo pelos diferentes ramos da sociedade, se são tão essenciais.” O que a memória alcança é uma resposta algo semelhante a: “isto que consideramos fundamental e que por vezes parece ser apenas bom-senso, são as estratégias mais refinadas da existência humana”.
O que sinto, quando me lembro desses dias, é o que me faz compreender as atrocidades humanas, entre humanos e com o planeta. A maior parte de nós, humanos, não tem oportunidade de construir os melhores mecanismos de defesa do eu. Curioso, como até as funções primárias emocionais, são frequentemente chamadas de defesa. O nosso corpo é frágil comparado a tantos animais. Mas a nossa mente é ainda mais frágil. Com o sopro certo de palavras ficamos destruídos e com outro, rejubilamos. Quando ansiamos por um “amo-te”, que poderá acontecer com a resposta inesperada?
Quando falamos de saúde mental estamos a maior parte do tempo a falar de doença mental. Mas existe de facto a área da saúde mental, aquela que trata da prevenção, de mantermos as doenças afastadas. Atenção, não é o sofrimento afastado, nem a ansiedade. São as doenças. Porque doenças mentais e emoções, são duas coisas muito diferentes. É saudável sofrer, ansiar. Sem estarmos disponíveis para as emoções negativas, não estamos para as positivas, pelo menos profundamente disponíveis.
Existe uma história antiga de um carvalho e de um bambo, que estão perto a conversar. O carvalho ri-se do bambo cada vez que ele abana com a brisa do vento. Mas um dia, quando vem uma tempestade, a flexibilidade do bambo permite que ele sobreviva aos ventos deitado, mas o carvalho parte-se e acaba por não sobreviver. Uma das mensagens é a flexibilidade. Nas emoções também é fundamental mantermos a flexibilidade para as sentirmos, mas enraizados para não sermos levados no vento com elas.
A única forma de crescermos como humanidade é aprendermos a gerir a comunicação e as relações humanas de outra forma. O respeito e entendimento são a pedra basilar, mesmo que não seja fácil aceitar a diferença. Ainda nos dias de hoje, tantas pessoas sofrem por não poderem ser quem elas são, por não poderem ser diferentes. Quanto mais tempo vamos deixar passar até aprendermos a respeitar o outro pelo que ele é? Ou quando é que vamos ajudar aquele familiar, amigo ou mesmo, sem-abrigo, em vez de fingirmos que está tudo bem? Na verdade, tantas vezes obrigamos o outro a manter o seu papel social, só para não termos de lidar com as suas emoções, com o seu sofrimento.
Como vamos encontrar a forma de resolver os conflitos, sem utilizar as palavras-arma, ou armas efetivas?