O amor é algo que se escreve em canções, poemas, livros, cartas, ... todas as formas de expressão são utilizadas para falar desta emoção, deste estado, para alguns, até uma forma de viver. Por amor, dizem que vale tudo. Outros fazem o mesmo pela família, pela nação e pela etnia. Mas vale mesmo tudo? É como os paradoxos das guerras – “vamos para a guerra para lutar pela paz”.
Ao longo dos anos, para mim, torna-se cada vez mais claro, que os grandes grupos são reflexo dos indivíduos que lhes pertencem. E com a prática de vários anos na saúde mental e na medicina, vai-se esclarecendo que um dos principais motivos para o sofrimento humano, é o que as pessoas acreditam que lhes falta. É algo que acreditam que têm direito e que esse direito foi negado.
Um dos sofrimentos é com a morte. “Deus levou-o”. A noção de algo ou alguém nos roubar o que é nosso, causa um sofrimento intenso, difícil de reparar. A manutenção deste tipo de pensamento impossibilita a recuperação e o luto. A compreensão dos ciclos da vida e da aparente aleatoriedade dos eventos, conduz-nos à tranquilidade de aceitarmos a vida como ela é, em que raramente temos controlo sobre os eventos.
Nos casamentos, ouve-se que “ela roubou-me o marido”; nos trabalhos “ele roubou-me a promoção”, “colocou-me na prateleira”; em todas as áreas da vida, alguém perdeu algo e isso causou sofrimento. Filhos que sofrem por perderem os pais, por os pais nunca terem mostrado o que é o amor; companheiros silenciosos que se expressam pouco; e tantas outras variações do mesmo.
E se, pudéssemos pensar de outra forma? E se, o foco não fosse o que não temos ou o que perdemos, mas antes o que temos? Apreciarmos as pequenas coisas do nosso dia-a-dia é uma das propostas da psicologia positiva. O nosso cérebro é especialista nas repetições, logo, se construirmos um padrão de pensamento mais positivo, ele vai tornar-nos mais resilientes ao sofrimento. O conceito de o sofrimento ser em parte psicológico, é um conceito duro de encaixar no padrão de pensamento atual, com as suas distrações e imediatismos. Há milénios que estes conceitos são claros no budismo e tornaram-se mais simples através do mindfulness / atenção plena. Há uma boa parte do sofrimento humano que é quase uma opção. A forma como escolhemos viver, como olhamos para nós e para a nossa vida, determina, em parte, como nos sentimos.
É importante salientar que a depressão é uma doença e não é uma escolha, mas que a nossa forma de pensar e sentir, muda a nossa capacidade de resistirmos à doença e de recuperarmos dela. Muitas pessoas vão sempre necessitar de intervenção médica e farmacológica. As intervenções psicoterapêuticas são fundamentais para a análise dos padrões de pensamento e receber-se a ajuda necessária para os mudar. Esta é uma das chaves principais para a recuperação e aumento da resiliência. Todas estas intervenções salvam vidas diariamente. O sofrimento não deve ser banalizado com frases feitas – “tu és capaz”; “só estás assim porque queres”, etc. O melhor apoio que as pessoas podem dar, é a sua presença em silencio e a escuta ativa. Muitas vezes não é preciso nada mais. Só estar e ouvir.
Para a sobrevivência da humanidade, é necessária a integração individual dos principais conceitos do budismo, como o desapego e compaixão, aliados à capacidade de perdoarmos as ações dos outros. Sem a libertação da ilusão do “meu direito”, não acabam as guerras. Um mundo, uma humanidade.